Coqueiro Seco: catedral da cultura popular
Assim como uma bela e antiga catedral do estilo rococó no alto da colina vai estontear quem a descobre por fora, ao adentrá-la através de enormes portões, alguns detalhes em seu interior irão intrigar até mesmo os estudiosos, que terão dificuldade em datar a real origem daquele patrimônio, mas estarão certos da necessidade de preservá-lo. A Igreja Matriz Nossa Senhora Mãe dos Homens é um desses exemplos.
No entanto, o patrimônio cultural da pequena cidade de Coqueiro Seco, vai além da arquitetura eclesiástica e alcança a vivência imaterial da comunidade. E por lá, essas manifestações populares são tão vastas que não se sabe ao certo suas origens, mas conhecem-se os protagonistas, uns in memoriam, outros ainda vivos e ativos. Como destaca um trecho do remado do jornalista João Lemos:
Coqueiro Seco é terra de grandes mestres
Tem seu Orlando, Zé Hum e Lucimar
Luzia, Antônio e Pedro que ama o mar
Salve Clarinda e Dulce a brilhar.
Na década de 60, o território que pertence hoje ao município de Coqueiro Seco, acabara de ser elevada a categoria de cidade. Na mesma época, uma jovem de lá já descobrira sua paixão: assistir aos inúmeros folguedos existentes na região. Na verdade, ela queria dançar em algum deles, mas não era possível nem um nem outro para ela. Seu pai não permitira até que um casamento pudesse emancipá-la.
O tempo passara e o casamento até veio com seu único e grande amor Elenilson Gomes da Costa, ou carinhosamente apelidado de nego. Também se tornara professora – grande desejo de sua mãe em ver uma de suas filhas nessa ocupação – aliada a sua própria vocação de ensinar. Habilidade esta que somou-se a sua antiga vontade em participar dos folguedos locais, e aos poucos, foi fazendo parte de sua rotina, tendo ao seu lado, a saudosa Mestra Luzia Simões (in memoriam).

Mestra Luzia, uma das precursoras dos folguedos populares de Coqueiro Seco. Foto: Secult/AL
Mestra Lucimar, sucessora dos saberes populares, na janela de sua casa. Foto: Bertrand Morais.


Mestre Zé Hum, como é conhecido, pandeirista autodidata. Foto: Bertrand Morais.
Hoje no auge dos seus 71 anos, Lucimar Alves da Costa recebe a todos com passos ágeis e sincera simpatia em sua casa com vista privilegiada para a Lagoa Mundaú. Nada lhe entrega a idade que possui, se não fosse uma cabeleira curta de fios brancos e uma memória de quem teve muitas experiências, e claro, muitas delas com a cultura popular.
Em 2018, Lucimar recebe o título de Patrimônio Vivo de Alagoas com uma façanha ainda não vista em alagoanos ilustres: coordenar três modalidades de folguedos populares. Ainda em Coqueiro Seco, além dela, temos registrado no livro de tombos como RPV desde 2010, o pandeirista autodidata José Gomes Pureza, ou apenas Zé Hum como é mais conhecido, que participa em um dos folguedos ali existentes.
O ano era o de 2001 e acabara de iniciar o atual século XXI. Dona Lucimar continuara a dar aulas e já até tornara-se secretária na Escola Municipal Paulo Soares. E é a partir daí que tudo mudaria completamente na vida da, até então, professora de ensino primário.
“Tudo recomeçou com uma gincana no colégio municipal onde eu era secretária”
Nos dias atuais, conversando com os moradores de Coqueiro Seco, duas coisas chamam muita atenção: o carinho e respeito por Mestra Luzia, que faleceu aos 77 anos em 2010, mas permanece viva na memória do povo e a satisfação pela boa gestão municipal da prefeita Decele Dâmaso (2016-2024), especialmente perante a cultura. Liderança feminina parece ser a chave do sucesso por lá.
Os folguedos populares coordenados por Lucimar Alves da Costa têm para cada um deles uma representante, ambas do sexo feminino. A Chegança Silva Jardim é liderada por Josinete Pereira. Para as Baianas Voltam a Sorrir temos Nilza Cícera de Araújo Soares, como responsável. O comando do Pastoril Infantil Nossa Senhora Mãe dos Homens fica sob os olhares de Ana Lúcia da Silva. E por fim, o Pastoril de Adultos Mensageiros de Fátima tem seu comando dos mesmos olhos que o coordena: Mestra Lucimar. Essas relações trazem um senso de cooperação comunitária muito característica da cidade de Coqueiro Seco.

Alguns dos integrantes dos folguedos tradicionais de Coqueiro Seco que resistem. Gif: Bertrand Morais.
A Chegança Silva Jardim, em 2010, com o patrocínio do Ministério da Cultura sob o Governo de Luís Inácio Lula da Silva, e apoio do SESC Alagoas entre outras entidades, gravou um disco com oito faixas, que contam do começo ao fim a história do respectivo folguedo. O grupo foi levado à cidade de Recife onde ocorreu a gravação.]
Quatro anos atrás chegara à vez das Baianas Voltam a Sorrir ganharem seu disco, em 2006. O grupo estava parado por quase meio século e, seu retorno, se deu por iniciativa de uma pesquisadora dessas manifestações da época, que conseguiu reunir Mestra Dulce e Lucimar para voltarem ensaiar em 2005. No ano após o feito, o CD foi gravado na cidade de origem: Coqueiro Seco.
Atualmente, a pandemia tem atrapalhado a dinâmica do grupo de folguedos assim como em todas as partes do Brasil. O momento é de vigilância. Mas, Dona Lucimar garante que enquanto em vida, não deixará de coordenar seus grupos que lhe rendeu o título de Patrimônio Vivo de Alagoas, e transforma o município de Coqueiro Seco, num verdadeiro exemplo da maior riqueza de um povo: suas tradições lembradas e vividas.

Mestra Lucimar ao lado de Carminha e João Lemos em breve apresentação na orla de Coqueiro Seco. Vídeo: Bertrand Morais.

Igreja Matriz Nossa Senhora Mãe dos Homens em processo de restauro pelo IPHAN. Foto: Bertrand Morais

A cultura popular da cidade nas mãos de Mestra Lucimar
Geração mais nova também participa das manifestações populares coordenadas por Mestra Lucimar. Foto: Bertrand Morais.
Reportagem: Bertrand Morais
Vídeos e Gifs: Bertrand Morais
Fotos: Bertrand Morais e Secult