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Coluna de João Victor Maciel

No fim de mais um dia, inicio minha simples e suada missão: Voltar para casa. Depois de uma longa espera lá no ponto da esquina, eis que chega o tão esperado. Quando subo as primeiras escadas já sou transportado para um mundo diferente. O motorista deixa tocar no rádio os principais sucessos do momento. Nos bancos da frente, idosos se apertam com mulheres e crianças que seguem a viagem em pé. O cobrador conta as moedas com um olhar anestesiado depois de tantas idas e vindas naquele mesmo assento.

Passo a catraca e chego no ponto dessa engrenagem onde não importa quem você é fora do ônibus, ali o real privilégio é estar sentado. Depois da catraca é “coração de mãe”. É onde as histórias se misturam, as leis da física são provadas… é ali que ouvir a conversa dos outros é inevitável, não se meter na conversa do vizinho é um desafio. Ali, o suor fedorento do trabalho é o aroma característico do ambiente. Aqueles que se apresentam como quem “ pudia tá matâno,roubâno ou se prostituîno” fazem o serviço de bordo. Olhando para moça que está lendo um livro ou para o rapaz que dorme em pé, faz-se valer a famosa frase: “há tempo para tudo”.

Andar de ônibus é uma imersão cultural em um país que a gente tenta não enxergar, mas está na conversas das duas senhoras de rosto marcado pelo tempo, quando elas contam as humilhações que enfrentam na vida de doméstica servindo o ego de suas patroas; nas dúvidas dos jovens que viram o vizinho ser espancado por policiais na frente das crianças da comunidade; na mãe solteira de classe média baixa que trancou a faculdade por não ter mais dinheiro para pagar.

O coletivo é o retrato desse Brasil da pobreza que cheira mal mas já não afeta as narinas de gente poderosa. Eles se acostumaram, nós também. Ainda que ignorada, a realidade faz questão de provar por si mesma a sua existência. Depois de tanto filosofar, chega meu ponto, puxo a corda e desço. O coletivo continua a sua viagem enquanto do lado de fora, os altos prédios, os carros de luxo na avenida, os palácios de Brasília desprezam o que se passa ali dentro, mas o fato é que ele segue com sua gente, com sua verdade, com seu fedor. Pobreza fede?! Vossa Senhoria, nem sente!

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