Revista Alagoana
Ao som do Carambola
Texto de Lícia Souto
As ondas, a brisa e o finalzinho de tarde alaranjado do litoral de Jacarecica vão compor o grande palco da sétima edição do Festival Carambola, que convida o que há de mais brasileiro para uma festa alagoana.
Este ano, parece que até os astros conspiraram a favor trazendo Margareth Menezes como um dos principais nomes que compõem a line do evento, antes mesmo de ser cogitada para assumir o Ministério da Cultura. “Muita coisa nova nesta edição, né? Um dia gratuito, que possibilita que o evento seja ainda mais acessível e democrático, show da Margareth, que quando fechamos não havia nem rumores dela ser ministra, então a gente sente que essa conexão com ela foi assim... um presentão para Maceió, sabe? E tudo isso em um novo local, mais verde, com aquela brisa do mar cobrindo tudo. É uma edição que estamos entendendo que vem pra mudar algumas coisas e estamos bem animadas com isso!”, comenta Lili Buarque, uma das fundadoras do Festival.
Lili Buarque é produtora cultural e musicista, então enquanto artista, ela recorda que o Carambola nasceu de algo que ela sentia na pele ao encontrar uma certa dificuldade para tocar em Maceió, e também para ter acesso e ver os artistas que ela admirava, mas que moravam em outros estados do Brasil.

“A ideia de criar um festival veio daí: trazer bandas de fora para Alagoas e dar espaço para os artistas daqui também e que, assim como eu, não tinham tantas oportunidades à disposição. Daí, em 2017 eu fiz a primeira edição. De lá para cá eu sinto que o público também passou a sonhar junto com a gente, a acreditar e
valorizar a nossa cena, sabe? Assim, de ano em ano a gente foi dando novos passos, e agora, em 2023, a gente muda de local pela segunda vez, prontas e interessadas em receber um público maior, algo fundamental nessa nossa jornada de fazer de Maceió mais uma capital musical brasileira.”, complementa.
A iniciativa que partiu de Lili e da diretora de arte Didi Magalhães tem elevado e fortalecido o nome de Alagoas e suas veias culturais. Do ponto de vista de Didi, esse é o grande forte do Festival, valorizar o que é produzido aqui, sejam os artistas que sobem ao palco, os grupos culturais que se apresentam na pista, a culinária, as lojinhas e inclusive os temas das edições. Segundo as fundadoras, o Carambola convida artistas de fora porque conhece o desejo do público de ver essas figuras da cultura nacional por aqui, mas não abre mão de quem produz e se inspira na cultura local. “A gente agradece realizando o Carambola homenageando toda essa riqueza de volta, entende? [...] É uma festa nossa e estamos convidando o Brasil todo a participar também!”, afirma a diretora de arte.

Essa edição do Festival traz consigo muitas coisas novas, mas tem como sua grande marca a homenagem ao Mestre Nelson da Rabeca, que faleceu no ano passado. “Para toda classe artística de Alagoas essa perda foi muito sentida. Ele era e sempre será um orgulho alagoano e quando começamos as primeiras reuniões da edição deste ano, já havia uma fagulha de bolar algo que o homenageasse, como um show especial, algo do tipo, sabe? Com essa troca de ideias fomos percebendo que essa vontade ganhava cada vez mais força, ao ponto da gente sentir que, bem, o festival em si teria de ser a homenagem que queríamos para Nelson. E então fomos criando nossa identidade visual ao redor de sua imagem também e claro, da rabeca, sua marca registrada e principal elemento do nosso visual este ano. Teremos um show da viúva de Nelson, a querida Dona Benedita, que segue mantendo a tradição de pé. É também uma grande homenagem a ela, grande companheira e inspiração de Nelson, estamos muito felizes e ansiosas por este momento!”, explica Didi.
Em todas as esferas, a expectativa para essa edição é grande, tanto para as criadoras do Festival quanto para o público. Quando perguntadas sobre o que essas duas mulheres que se uniram e tiraram esse projeto do papel acreditam para a cultura alagoana, elas respondem que acreditam na cultura e em seu poder de transformação social. “Sempre penso que estamos fazendo muito, mas não tudo, é uma construção constante. Quero que o Carambola seja cada vez mais plural e democrático. Estamos trabalhando para isso e sinto que o nosso público vem entendendo e apoiando isso.”, afirma Lili.
“Acho que a Lili falou bem, tudo, risos… É sobre transformar as pessoas e a nós mesmas por meio da arte, entende? Fazer do Carambola uma experiência de encontro, de partilha, de registro de um momento, sabe? Ser algo que remeta sempre à boas memórias para quem participa. Acho que é mais ou menos por aí.”, complementa a parceira.
EM CIMA DO PALCO
“Quando estou no palco, de frente para os meus, eu sinto muita alegria. É bonito se reunir em coletividade para partilhar cantos, sensações, danças, olhares. É sempre uma celebração pela importância do todo. O nervosismo sempre vem, sou uma cantora e compositora - que traz um outro lugar, longe do convencional para o palco. Sem esquecer sempre que todo palco é sustentado por um grande chão - me deságuo na emoção e canto envolvendo o público com o que sinto no momento. Essa troca é muito importante, porque a entrega é mútua e isso é o que fortalece um verdadeiro artista.”, define Mary Alves, uma das artistas que compõe a programação do Carambola este ano.
Nascida na periferia de Maceió, ganhou seu primeiro violão aos 11 anos quando começou a cantar no corais das igrejas. Com o passar dos anos, a criança foi dando espaço a artista que se reconheceu como uma voz potente para integrar um cenário artístico, fortalecer e reafirmar o talento e poder das artistas negras alagoanas. “O que inspira meu trabalho vem de um lugar muito íntimo que é também uma vivência coletiva. A continuidade inspira meu canto. Cantar é uma forma de anunciar, de denunciar, de agradecer, de celebrar, de transformar, de curar. Refletir e ressignificar nosso legado e nosso tempo no campo das artes, é também combater ao poder político hegemônico eurocêntrico, patriarcal, racista e sexista que não fomenta políticas públicas específicas para as mulheres negras”, conclui.
Esta será a primeira vez que a cantora subirá ao palco do festival alagoano, para ela a expectativa é grande e potente, como define. Ela conta que demorou bastante para conseguir gravar as próprias composições, que não é fácil ter acesso a estúdios e gravadoras, por isso, o lançamento do álbum ‘Amor Preto Cura’, no ano passado, foi uma realização significativa para sua carreira. Mary pretende trazer esse show para o palco e preenche-lo com toda sua ancestralidade, história e referências.

“Esse show será especial demais. O repertório será em sua maioria autoral, levarei minhas composições partilhadas e sentidas comigo mesma. Muitas são as referências pra chegar até aqui e por isso não poderia deixar de entoar vozes como Elza Soares e Leci Brandão. Além disso, teremos participações honrosas de Ana Carla Moraes e Nara Ashanti. O que posso dizer diante de tudo isso é que esperem muito. Temos muito pra entregar e entregaremos”, afirma Mary.
Já para a artista Andréa Lais, que também se apresentará, o palco do Carambola é uma experiência familiar que ela vivenciou na edição de 2018, estreando canções autorais de seu primeiro álbum ‘Solar’. Alguns anos depois, a volta a esse palco traz em seu repertório um novo sentido de maturidade artística, com a apresentação de seu segundo álbum ‘Presença’ e também um tributo a uma de suas maiores referencias, Caetano Veloso. “O ofício de emocionar se apresenta como missão, e encaro esse momento com muita responsabilidade com o público que se doa com atenção. É trabalho árduo e entrega apaixonada, tudo isso misturado.”, relata a artista.

As raízes alagoanas fortalecem o repertório de Andréa, uma vez que a artista se encontrou no coco sincopado de Jacinto Silva, treze anos de carreira se passaram e a conexão com os ritmos, sotaques e narrativas da terra seguem sendo a fonte de onde bebe, por isso, a artista promete trazer uma passagem pelo coco alagoano em sua apresentação.
Em cima do palco, os sentimentos são sempre muitos, sempre avassaladores. O primeiro sentimento que vem à mente de LLari Gleiss é desafio. Desafio porque apesar de ter estudado, de saber perfeitamente o que vai cantar, não é fácil encarar, mas quando já está ali em cima, a cantora diz que sente o propósito do que faz. E quando sobe ao palco, ela está sempre entregue, como se estivesse num transe, em um estado espiritual, é uma entrega completa e o que acontece no palco só acontece ali. É o fragmento de tempo onde se sente totalmente presente em seu propósito de vida.
“Participei em 2019 do Carambola, trouxe uma música inédita para o palco, foi maravilhoso, pude ter noção da importância do Festival e dos festivais independentes que buscam valorizar a cultura local e enaltecer nossa música autoral. Daí a chave virou pra mim naquela edição, de lá pra cá, venho acompanhando o crescimento do festival, a evolução. A expectativa pra esse ano é enorme, e ao mesmo tempo venho cuidando pra que eu possa pegar essa expectativa e essa energia e direcioná-la pra dentro de mim mesma, para externar isso no palco. Eu sinto que o festival desse ano vem como nunca, mais forte, mais coerente e com uma dimensão do tamanho da nossa cultura, a expectativa é transbordar em tudo, em música, em energia e em feito.”, diz a artista.

A cantora explica que para se conhecer a cultura regional é preciso ir atrás, é preciso querer buscar esse contato e essas referências, por experiência própria ela afirma que o despertar para a arte ancestral, alagoana, brasileira só veio de uns anos pra cá. “Porque como a maioria, infelizmente ou felizmente a gente tem muito contato com a música que é de fora, americanizada, ou que são de outros estados, etc, menos com a nossa, isso faz com que a gente não tenha tanta proximidade e familiaridade. Porém pra se conhecer a cultura alagoana e brasileira a gente tem que ir atrás e querer conhecer. Então eu comecei a buscar as referências musicais de alagoas, das raízes, do jeito como se canta. O que mais me inspira atualmente como artista alagoana, é de fato a sonoridade e as rítmicas da terra, o coco de roda, a poesia. Hoje eu entendo como são importantes as nossas figuras, a música ancestral me inspira. É uma vontade de buscar o meu espelho diante disso.”, conclui.
LLari afirma que o público pode esperar desse show muita poesia, swing brasileiro, coco alagoano, alegria, maloqueiragem e uma cantora entregue de corpo, alma e voz.

Confira a programação completa e mais detalhes do evento através da página do Festival no Instagram.