Revista Alagoana
As artes plásticas em Palmeira dos Índios: um passeio pela I Exposição Artistas Reunidos
Colaboração de Matheus Araújo
Adentrar pelo interior de Alagoas é como mergulhar no oceano profundo, e a cada metro de profundidade atingido, você encontra misteriosos e fascinantes elementos até então desconhecidos aos olhos da superfície. Nada estava escondido, existiam naturalmente ali, sem que ninguém procurasse levar esses elementos para a obscuridade, só não estavam sendo enxergados, por que o olhar da superfície não via nada para além daquele cristalino e infinito espelho d'água que já conhecia.
É possível, sem investir muito esforço, encontrar uma série desses elementos na cidade de Palmeira dos Índios; percorrem por suas avenidas, ruas, travessas, becos e vielas, diferentes indivíduos que buscam desenvolver em suas pessoalidades um rico processo de externalização de seus sonhos, medos, amores e angustias, enfim, seu inconsciente, sua individualidade, isso por meio da arte. Esses artistas palmeirenses não são anônimos, não andam pelas ruas usando sobretudo, máscara nos olhos e chapéu, eles simplesmente estão ali, sentados em bancos nas praças, pintando letreiros, fazendo trabalhos escolares, fraquentando o comércio local, o que acontece é que muitos não os enxergam como artistas.
Aqueles indivíduos que tinham algo para resolver dentro da galeria de lojas presente no subsolo da conhecida Praça da Independência, poderia averiguar com os próprios olhos o que estou falando; se você passou por ali no último dia 20 a 25 do mês passado, veria que mesmo de forma discreta, a arte palmeirense quer ser vista. Nos primeiros passos pelos corredores do local você poderia identificar um cartaz ilustrado com uma índigena anunciando a primeira Exposição Artistas Reunidos, ali mesmo naquele lugar.
Paulo Leonardo da Silva, mais conhecido na região como Léo Arts é um deles; mesmo que você não o conheça pessoalmente, se já passou por Palmeira dos Índios, certamente já viu pelo menos uma de suas obras. Léu deu vida a diversos murais pintados em muros da cidade, peças de arte que buscam apresentar a quem passa por um deles um pouco da cultura local.

Graças a visibilidade de suas artes, estava sendo chamado para pintar painéis em diversos restaurantes da região, e hoje pelo menos seis restaurantes tem em sua decoração, murais que ilustram obras como o livro Vidas Secas de Graciliano Ramos, pontos turísticos do município e suas diversas personalidades; contando também com obras produzidas em outras cidades, como Penedo e Maceió.
Atualmente é contratado pela prefeitura de Palmeira dos Índios para produzir obras em pontos turísticos da cidade, como a Santa Ceia na Serra do Goiti. Segundo conta, “meu destino é desenho, é artista plástico, eu quero largar outras, eu já vivo parando, já não estou mais pintando porta de rolo, fachada parei, banner, coisa digital, tudo já parei, a única coisa que ainda faço mesmo é letreiro, faixa, e desenho, mas já deletei faixa, daqui a três anos eu quero parar, quero ficar só com desenho, obra de arte”.
Laíssa Keilla, artista que também expõe seus quadros na Exposição Artistas Reunidos, é uma das representantes da nova geração de artistas locais, tendo as mídias sociais como o habitat natural de sua arte. Produzindo suas aquarelas criou em 2018 por incentivos de sua irmã uma conta no Instagram para publicar suas criações. O amago de sua arte, o sentido de existência para cada uma de suas telas se baseia segundo ela, em explorar os elementos da natureza, do feminino e do místico, com isso cria obras afetivas que evocam passados e presentes. Em suas próprias palavras, ela trabalha mais com “retratos afetivos, de pessoas, de familiares [...] eu recebo muitas encomendas de pessoas que perderam um pai, que perderam um tio, que não tem muitas fotos juntos, e quer ilustrar isso para dar para alguém, para a família”.

Em suas belas ilustrações observamos uma predominância de elementos femininos em harmonia com a natureza, unindo-se por meio de elementos mágicos. O rosto jovem, a lua, a mariposa, os pássaros, passagens que te levam para paisagens oníricas que evocam ancestralidades.
Laíssa concluiu a graduação em enfermagem em 2020, mas se sente em um processo de migração para um sonho muito antigo, que tem ganhado força a cada ano, e que as oportunidades nos meios digitais trouxeram para seus horizontes de possibilidades. Ela quer se “aprofundar ainda mais na arte, em tudo o que envolve ela”. Acredito que essa é uma característica forte da arte distante dos grandes centros urbanos, uma produção artística muito ligada ao indivíduo – ao próprio artista em si – como principal fonte de inspiração.
Matheus Jadejishi foi outro que marcou presença com suas pinturas na Exposição Artistas Reunidos. O pintor viveu boa parte de sua vida em um grande centro urbano, a grande e violenta cidade do Rio de Janeiro, e como resultado disso, sua arte espelha muito de que presenciou nas ruas das comunidades cariocas. A arte de Matheus prende o olhar do observador aos desafios de uma vida em meio a uma sociedade doente, desigual e perigosa. A violência e desigualdade das grandes metrópoles pode ser vista em obras como Dona Maria perde o filho e culpa o Estado, onde Maria segura duas temporalidades tipicamente exploradas pela arte sacra, em um braço segura um Jesus recém nascido, no outro – em referência a Madona e Pietá – segura um Jesus Morto. O artista afirma que buscou representar a cena com cores distantes da coloração natural da pele humana, de proposito, que se une as características fenotípicas, deslocada da aparência europeia que costuma ser usada para representar as duas figuras. Todas as noites, nos morros do Rio de Janeiro, um novo messias é morto pelas mãos daqueles que mais precisam de salvação.
O artista defende uma arte na qual antes de encantar os olhos com belas cores, enquadra a consciência num olhar certeiro, direcionada para aquilo que ela não quer ver. A arte de Matheus se espalha nas ruas, ela conversa com seus protagonistas, ela não procura instigar a atenção para o exótico, o distante, ela te leva para o obvio para a realidade nua e crua traduzida de forma poética por meio de cores vivas. Uma arte que denuncia o abandono do estado, que questiona os valores estabelecidos por uma cultura religiosa que classifica e exclui, que distancia, que nega, que inferioriza aqueles que seriam naturalmente acolhidos pelas propostas filosóficas que defendem seguir. Matheus apresenta assim uma arte em movimento.

Licenciado em Artes, está desembarcando em Palmeira dos Índios, após passar em um concurso onde irá lecionar em escolas da região. Vir a Palmeira, segundo ele, foi uma oportunidade para desenvolver novos olhares que de certa forma se distanciam daqueles presentes nas grandes cidades. A cidade do interior de Alagoas é o berço de sua ancestralidade, o reencontro com seus parentes foi uma oportunidade de conhecer mais de seu passado. Viver em uma cidade mais tranquila exige segundo ele que sua arte passe por um processo de metamorfose, para se adequar a uma nova realidade bem diferente daquela que presenciou no Rio de Janeiro.
Um dos projetos que sente necessidade de por em prática na cidade, especialmente quando assumir como professor, é fazer o trabalho de mapear os artistas locais da região, e se possível, desenvolver uma plataforma – como se fosse uma galeria de artes virtual – que funcione como ponte entre eles e os interessados por sua arte é um dos sonhos do pintor carioca. A arte não pode estar presa em galerias onde apenas as elites se sentem confortáveis para apreciá-la, uma produção cultural que questiona o poder dessas mesmas elites precisa firmar laços com aqueles que são suas inspirações, fortalecendo uma relação com quem precisa dela.
Também marcou presença na exposição o artista de Junqueiro, Samuel da Silva Brito, mais conhecido como Samuel Dasilvah. Suas telas se destacam na exposição por sua força, e seu teor crítico, resultado de anos como militante por diversas causas. Um pintor alagoano, que valoriza o trabalho do homem do campo, como pude observar em suas obras, apresentando por meio de pinceladas as cores vivas do agreste alagoano. Assim como Léo, também compartilha de um passado como pintor de letreiros, atuando nessa área até 1997; em 2000 começou a pintura de telas e murais, que mantém viva até hoje. Também é um educador nos municípios de Junqueiro e Arapiraca, onde costuma lecionar artes.
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Além da Exposição Artistas Reunidos, o Léo Arts já tinha organizado em outubro do ano passado o primeiro Festival de Artes de Palmeira dos Índios, evento que reuniu mais de 10 artistas pintando telas gigantes no local (cada tela com mais de dois metros de altura). Léo tem planos para mais exposições para os próximos anos, e mantêm atualmente um grupo no WhatsApp com cerca de 20 artistas locais – incluindo os que entrevistei para essa matéria – grupo esse que está em constante crescimento e é usado para organizar os eventos.
A arte em Palmeira dos Índios existe, resiste, e é tão forte e inovadora quanto o era nos tempos de Graciliano Ramos, Jofre Soares e tantos outros. Ainda existe uma certa dificuldade para se conquistar incentivos na região, mas em meio a um mundo conectado, essas dificuldades estão sendo aos poucos superadas.