Revista Alagoana
Correspondências de saudade e aconchego, com Laryssa Andrade
Texto de Nathalia Bezerra
Nathália - Muito feliz em te receber durante essa semana, Lary! Tu sabe do quanto me emociona quando vejo tuas fotografias, teus textos e tuas colagens e toca em um lugar muito particular que é algo que também me move: criar memória, falar de saudade. das pessoas e dos lugares que passam por nós, das histórias que são contadas. nessas idas e vindas, como tu vai construindo tuas criações, e como tua escrita aparece?
Laryssa - Nath, primeiro quero te agradecer. Nós já trocamos muitas palavras juntas e estar aqui me deixa muito contente! Como é bom celebrar a existência encontrando pessoas inspiradoras como você. Saiba que todo carinho é recíproco e verdadeiro. Te ler falando das colagens, da imagem, das palavras me fez pensar nessa construção também, pois o olhar de fora é diferente do olhar de quem está ali construindo. Unir imagem e palavra sempre foi algo comum durante os processos criativos que me encontram. Quando digo sempre é desde o ensino fundamental, época em que a escrita foi mais comum na minha rotina escolar. Me percebi muito “visual” até ir criando cada coisa. Naquela época, os gibis e livros infantis estavam sempre por perto. Hoje, isso não mudou (ainda bem). Uma das coisas que mais gosto de fazer é atualizar pastas específicas com fotografias e canções. Não sei se tenho uma rotina para criar, mas tenho a certeza de amar criar um ambiente para fazer isso (com música, principalmente), e logo consigo sentir a vida me acenando de volta.
Acredito que toda criação carrega um infinito de vida dentro dela. É essa faísca de vida que me puxa devagar e penso que cada pessoa tem o seu modo de buscar por isso também. Das séries com a imagem até chegar na escrita vou caminhando por cada experiência e vivência. Quando saio na rua vejo vida, quero escrever sobre isso e por vezes até mais, eu quero fotografar até que outras pessoas percebam aquilo também. Mas em casa, acabo lendo outras pessoas e essa busca vai me inspirando a escrever no computador, celular e no que estiver ao alcance. Essa é a ordem criativa daqui. Tenho um caderno, um bloco de notas sempre aberto na mesinha e caneta preta para acolher as sensações que pedem para saltar. Nem sempre é simples dizer as palavras, mas aprendi a acolher os momentos de inspiração e os de vazio também. Tudo é movimento.
É muito bonita a forma como a música te embala nas tuas criações, e como é curioso que tu guarda pastas com pedaços de fotografias e de canções, enquanto teu ambiente se cria assim: com música. Não sei se já te contei que acredito demais em timbres. parece que as músicas que dançam na gente carregam mesmo essa força de um ritmo particular, uma coreografia própria. como tu bem falou: “pra sentir a vida acenar de volta”. Me conta mais um pouquinho como tu constrói teus ambientes com música, e se quiser, compartilha também algo que te embale. Tem alguma música específica que tu costuma ouvir com mais frequência quando tá criando? E faço também o inverso: quais músicas tu não costuma ouvir nessas horas?
Painho saía para o trabalho e deixava a cópia de um DVD com músicas dos anos oitenta. Na ausência de irmãos, eram as letras e as músicas que me faziam companhia. Acho legal voltar ao passado e pensar nisso, pois a atmosfera musical daqui é gentil como antigamente. A diferença é que sou eu quem escolhe as músicas - graças aos aplicativos. Meu pai me ensinou a ouvir Elton John como ninguém, mas nas horas de criação acabo fugindo do pop completamente. Na verdade, não só dele, mas de bachata e forró (que eu amo). Por mais que muitos gêneros musicais me embalem durante a escrita, ouço “Waking Dream”, uma canção de Dave Thomas, e álbuns das cantoras Pomme, Yseult e Agnes Obel (sempre). Essa sequência musical me fez criar uma playlist no Spotify (chamei-a de “aconchego”), e segundo esse aplicativo o francês Yann Tiersen é o meu artista mais ouvido. Tem alguma coisa em álbuns específicos dele, como o “Le Phare” (1998), que foram me ajudando nessa caminhada com a arte visual, desde 2014. Dito isso, não importa o lugar, seja computador ou folhas em mãos, pego os fones e procuro essa imersão. Você também gosta de ouvir músicas enquanto escreve, Nath? Te ler dizer que as músicas “dançam na gente” foi bonito.
Já coloquei pra tocar tua playlist do aconchego enquanto te leio e te escrevo. quase consigo te imaginar ouvindo, e é muito bom poder sentir assim também a sintonia que nos acontece há tempos nos encontros virtuais! Mal vejo a hora da gente se abraçar e ter essas conversas também de perto. Não costumo ter uma playlist específica, depende muito do que eu esteja criando na hora. Tem alguns textos que eu sei que me vão exigir algum esforço silencioso, outros eu preciso de barulho, outros eu preciso colocar músicas que puxem as palavras antes. tenho essa mesma mania de precisar dos fones de ouvido pra criar uma atmosfera, um local, ou até um casulo. um canto antes que algo cresça e saia da gente. Como é pra tu esse processo Lary, de permitir que as tuas criações saiam de você e vão ao mundo?
Esse sentimento crescente que a criação traz deixa uma marca boa na gente (falando de palavra, essa percepção dela, quem vem pouco a pouco, e vai tomando algo até ser vida, finalmente). Parece aquele tipo de sensação que não quero que acabe - e que não dá para enjoar de sentir. Tem dias que as coisas somente fluem nas notas do celular, como uma necessidade de estarem lá - um conjunto de letras nuas, sem revisão alguma -, depois eu retorno e vejo no que isso deu. Essa parte de admitir que algo está maduro a ir para o mundo ainda é dificultosa por aqui, penso que pela timidez. Talvez bem menos do que anos atrás. Na escola esse sentimento vinha porque eu tinha muita dificuldade para entender algumas coisas, mas lembro de me despir quando o assunto era português e literatura (o que me faz guardar o livro do ensino médio até hoje para estudar). Eu só queria escrever, nem me atentava se as rimas estavam certas (eu só queria escrever). Até hoje isso me motiva a voltar e desfazer essa compreensão do que é bom ou não para ser lido por outra pessoa. Tem um dizer de Clarice, chamado “delicadeza” onde ela fala exatamente sobre isso e guardei essas palavras comigo: “Pois nem tudo eu quero pegar. Às vezes quero apenas tocar. Depois o que toco às vezes floresce e os outros podem pegar com as duas mãos”. Vou correndo para essas flores que Clarice descreve e diante delas não sinto nem timidez, nem medo - não mais.
É preciso ter coragem pra ver de perto essa fragilidade nua e quase exposta que só acontece quando se escreve. parece até que na hora de, literalmente, tocar as mãos com fogo o que era medo já não é. eu também preciso inventar outros refúgios e jeitos de ser menos medrosa nessa vida. E quando tu repete: eu só queria escrever - vejo que é também algo que sempre insiste em aparecer de volta pra mim. essa vontade, essa quase-revolta. Acho que escrever é algo tão breve e ao mesmo tempo tão contínuo que eu fico bem miúda na frente disso tudo. uma outra hora miúda e pequena minha acontece quando, depois de escrever, noto com surpresa que não sabia que ainda tinha aquilo pra dizer. Aquele susto de quando a escrita parece vir antes de coisas que a gente desconhece. Me sinto tão pequena na frente das palavras. Me conta das tuas miudezas, Lary?
Tenho certeza de que a miudeza tem dois lados. O estar miúda diante das coisas, se sentir pequena ou pouco preenchida, e o estado de miudeza quando alcançamos o que é ordinário. Normalmente esses detalhes me alcançam com a escrita e a fotografia (as duas coisas juntas, ou não). Perceber o cotidiano é sempre um ponto de salvação e celebro muito isso quando consigo (d)escrever. A miudeza está justamente nessa surpresa que vem. Ela me deixa pequena e gigante diante da vida.
Costumo acreditar que o processo de deixar um texto ou uma fotografia sair da gente é uma surpresa e eu espero guardar a sensação de novidade, de descoberta, de amadora. Acho que guardo uma paixão pela sensação de não saber no que vai dar, e no fundo, a gente nunca sabe o quê ou como aquilo tudo que a gente sente vai chegar nas outras pessoas. Escrever pra mim tem um rosto de intimidade, de tanto que sinto como é essa uma das horas mais frágeis, mais sutis. às vezes me sinto pequena porque pela palavra ainda tem tanta coisa impossível de dizer. uma coisa engraçada que eu notei é que tem épocas que não consigo escrever muito, e volto pra fotografia. E nas épocas em que sinto meu olhar cansado, volto pra escrita. tem vezes que as duas coabitam ao mesmo tempo, talvez pra manter o exercício do desacostume. desacostumar a vida, talvez seja isso. me conta como tu se vê nas horas em que está criando, e como tu se conversa com tuas várias linguagens?
Já tive uns tempos de não saber desacostumar. De querer estar sempre fazendo algo e caso essa pausa chegasse eu não entendia esse momento necessário de desencontro para depois o encontro chegar. Ainda bem que fases passam e dá pra perceber (sempre) que a lacuna é um vazio provisório (logo sendo preenchida, cheio de vida e da gente junto). Muitas vezes criar em caminhos que pareciam diferentes me angustiava também porque conversar entre linguagens criativas, pelo menos por aqui, também pede pela pausa de uma ou outra representação que utilizo. Quero fotografar, mas também escrever e depois transformar tudo isso numa coisa só.
Mas não é sempre que dá para criar um vídeo experimental disso, ou nem é sempre que me sinto bem para escrever em alguns momentos, ou criar uma colagem. Mesmo assim, no fim de tudo, acho bom gostar da parte “multi” das artes visuais. Fazer com que as pessoas percebam essa relação é algo que aprendo desde o último ano. Acredito que a colagem, por exemplo, é a maneira que fui encontrando de colocar para fora essa relação entre as coisas que amo construir. Às vezes lendo um livro, ou caminhando na rua, ou vendo um filme… são nesses espaços que a inspiração vem. Seja fotografando, editando vídeos, escrevendo, ou colando papéis e recortes, é bonito saber que existem várias possibilidades do fazer.
Muitas das vezes tenho a sensação de que escrever é como escrever uma carta, endereçada ou não, para nós mesmas ou para as outras pessoas. nas tuas narrativas, como tu vai construindo teus endereços, teus destinos?
Já comentei algumas vezes sobre uma pesquisa que li em 2019 que fala da importância da escrita para a cura de feridas (emocionais e não emocionais). Foi uma das coisas mais especiais que li, pois era de fato o que eu sentia quando via palavras no papel ou computador. A cura. Por isso também sinto a mesma coisa que você, Nath. Acredito que as letras vão para algum lugar, como as cartas. Perdi as contas de quantas vezes remetente e destinatária eram a mesma pessoa: eu. Escrever proporciona esse encontro comigo, que nem sempre é simples, mas que de alguma forma vai costurando alguma ferida e me faz perceber as alegrias também. Nesses caminhos, dependendo do que eu vá sentindo, vou destinando essas cartas. Quando falo de saudade, penso na minha avó materna. Quando falo da cidade, lembro da infância, dos tempos em que mainha me fez conhecer o Centro de Maceió enquanto segurava na minha mão e resolvia as coisas da nossa vida (coisas simples, cotidianas) - mas ali, mesmo que nada eu entendesse, amava caminhar segurada na mão dela e até hoje o Centro é simbólico por aqui.
Foi com essa sensação de que escrever costura coisas e feridas em mim que eu fui experimentando alguns outros jeitos de escrever nas fotografias e uma delas foi (tentar) bordar nas fotos. E esse exercício de agulha e costura também me lembra minhas avós, as duas costureiras. é um dos motivos pelos quais fiquei tão encantada com teu documentário, o lugar que somos, e de me sentir tão particularmente tocada pela forma como é possível ser esse lugar que faz voz e corpo pelas histórias que também são nossas. é algo muito forte! Acho que escrever, ainda que seja um dos jeitos de curar nossas feridas, talvez seja acreditar nisso como se houvesse mesmo alguém nos segurando a mão pela rua do comércio, pela rua do sol. Não sei bem qual pergunta iria te fazer, por enquanto vou ficar com essa imagem por mais alguns tempos: escrever talvez seja ter quem segure a nossa mão pelas ruas do centro da cidade (ainda que às vezes essa mão seja a nossa)
Como é bom ir explorando novas formas de fazer. Amei ver cada parte dos teus bordados sendo criadas, Nath. As palavras costuram as coisas, sempre. Criar O Lugar que Somos partiu muito desse lugar desconhecido, pois antes de começar a registrá-lo eu escrevi sobre o desconhecido. Eu sei que tudo é, mas eu sabia terem mais coisas nesse. Eu só vi saudade. Só ela. Minha avó materna se despediu de mim por telefone na segunda semana de junho, em 2009. Eu tinha treze anos e não me esqueço da voz dela, do tom, do cansaço e por ela, nas entrelinhas, ter se despedido. Essa despedida foi me mostrando com o tempo sobre a importância dos registros e consequentemente a escrita de histórias. Lá no Medium, no perfil do Punho, conversei sobre como criar esse documentário foi importante pra defender a ideia de que nós precisamos estar atentas às nossas histórias para criarmos memórias (sempre). Inclusive, nas próximas semanas o documentário completa um ano de escrito. O que me faz acreditar nesse caminho também, o de que escrever é como se alguém nos segurasse. Vou levar sempre comigo essa parte que tu descreveu (acho que eu repeti isso algumas vezes, mas é que essa troca tá sendo linda!).
Falar em saudade sempre me emociona. guardo tantas e vivo de recolher pedacinhos de memórias como se fosse uma tentativa de não-esquecimento. de manter o que vive, ainda, em mim. Acho que escrever é um dos jeitos de manter e de criar saudade das pessoas e das coisas. tem vezes em que me enxergo como uma colecionadora de saudades pequenas, como se eu sempre tivesse procurando formas de sentir falta e talvez esse movimento seja jeito que encontrei de continuar criando. Como tuas saudades aparecem nas tuas?
Talvez a saudade seja tudo aqui também. Tudo, cada parte. Tem dias que só vivo dela (e soluço de chorar sem culpa). Quando caminho em lugares específicos, quando ouço uma música específica - normalmente essa música é a "A quai" -, e tantos outros rituais não medidos por ações específicas, mas que vão acontecendo e dando nome a esses sentimentos repetidos. Falo assim e parece que sinto só tristeza, mas não. Sentir falta também significa presença de vida (mesmo que isso implique em agarrar algum passado). E sentir é estar viva de algum jeito. O jeito que busco é costurar essas partes enquanto escrevo e fotografo.
Nossa, e eu também fico do teu lado quando diz que sentir falta é presença de vida. nem sempre sentir saudade é um passaporte ao sofrimento, à angústia. acho que sentir falta é ainda se agarrar na vida de algum jeito, ou no que restou. quando a gente fala em criação poética, seja ela na escrita, na fotografia ou na colagem, gosto de pensar também que por vezes existem saudades inventadas. Já me peguei escrevendo e flagrar o exato momento em que se misturam as coisas ditas, as não-ditas, a vida, o sonho, a quase-morte. tu já se pegou inventando uma saudade enquanto criava?
Ontem, antes de me deitar, senti vontade de fazer colagem e acabei compensando a vontade da última semana (que não consegui criar nada). Agora escrevendo, tô pensando nessa saudade inventada. Enquanto criava pensava no que poderia parar no papel. Pensei no tempo e outras alegrias. Pronto, foi nascendo algo novo. Acho que sempre fui inventando saudade e só me dei conta agora. Escrever e fotografar é colocar algum sentimento bem na frente da gente. Acho que tudo vai partindo, escapando e se movimentando junto e nesses detalhes a saudade pede pra chegar. Percebê-la é bom.
Uma das coisas que mais me encantam na possibilidade de criar é essa chance (quase absurda) de que a realidade se dissolva, e finalmente aqui a ficção pode existir sem que necessariamente seja mentira. Pode parecer uma contradição, mas eu acho que essas ficções que acontecem quando a gente cria têm seus traços de verdade, digamos assim. Me encanto pela forma como a possibilidade de criar abraça também nossas saudades inventadas, que são tantas. tu costuma escrever também em prosa e inventar narrativas?
Gosto de escrever sobre caminhos e me percebo perto das prosas, com as crônicas. Nos tempos de literatura, no ensino médio, eu me aventurava em poesias, mas fui me encontrando em contar histórias (muitas vezes em primeira pessoa). Nem sempre esses caminhos estão na rua, às vezes são coisas que vão se iluminando aqui dentro de casa depois de ler ou ver, ou ouvir alguma coisa, e pronto, algo foi despertado e virou texto.
É bonito demais te ouvir falar de O lugar que somos, mais ainda com o jeito em como tu me conta e da voz da tua avó ao telefone. te agradeço por isso, Lary. Também acredito que memória não seja tarefa reservada somente ao passado e ao que aconteceu: talvez a memória guarde também um monte do presente com vontade de futuro. Falando nesses vários tempos, como é pra tu revisitar o lugar que somos, o lugar que tu é, agora, quase um ano depois no mundo?
Ainda é feliz olhar para tudo - e acredito que esse vai ser o sentimento ao olhar para ele (sempre). Esse resgate de depoimentos e fotografias fez reavivar vozes que não puderam e não souberam como fazer isso em algum momento da vida. Quando fiz o convite para as familiares, elas não pensaram duas vezes e apenas confirmaram essas certezas bonitas de que só a memória consegue trazer. Guardo a folha do primeiro rabisco, os arquivos com justificativas (que precisei anotar para manter viva a inspiração) e, na lembrança, deixo o passo a passo do único dia de filmagem com elas. Além de, para além de todo o processo, o quanto foi bonito fazer isso com elas. “E quando ali retornarmos verás que nunca nos fomos”. Esse trecho de Ana Miranda, que inspirou o título do documentário, povoa tudo em mim. De fato, todas vezes que preciso voltar ao filme, é como se eu me sentisse acolhida de novo. Cada segundo dele me mostrou a importância de continuar contando histórias e reafirmar: ainda bem que a imagem e a escrita existem.

Uma das cenas que mais amo (e que logo virou a capa do documentário)
Te ter por perto, poder conversar contigo e acompanhar tuas criações é um presente gigante pra mim, Lary. me sinto muito feliz de poder de alguma forma trocar tanta coisa sobre memória e saudade. Acho que a gente se apaixona por coisas parecidas nessa vida. é muito bonita a forma como quando tu fala de sentir esse retorno e esse acolhimento quando volta ao filme. Quais as coisas onde tu sente aconchego, ainda que não sejam um lugar? (Me peguei pensando nisso enquanto ouvia aquela música que fala de voltar ao aconchego, trazendo na mala bastante saudade)
Ai, essa música! E tô aqui partilhando do mesmo sentimento. Tem sido ótimo estar aqui contigo, falando de arte, de vida e de tudo junto <3 Veio num momento bom essa troca. É como se eu pudesse respirar outra vez devido a tanta identificação sincera com esse momento. Já aproveitando pra pensar nesse aconchego que tu me propôs refletir, lembrei de uma tag antiga do universo dos blogs que nos estimulava a citar coisas que nos deixam esse mesmo sentimento: o de aconchego. Gosto de sentir cheiro de café, ver a luz laranja que entra aqui no quarto no fim da tarde, ver o azul do mar, apreciar a vista (principalmente se tiver montanha) e cantar. Eu passaria o tempo todo falando de aconchego porque ir sentindo ele é tão bom, né? Aqui ele aparece nessas coisinhas diárias.
Lary, ainda tô muito tocada quando tu me falou logo na primeira resposta que me escreveu: algo dizendo que toda criação carrega um infinito dentro dela, e que são as faíscas de vida puxado devagar. Eu sou apaixonada por encarar e olhar no olho dessas faíscas correndo dentro da gente. Ás vezes assusta. mas é como se nessa hora, do ato criativo, não houvesse medo do fogo. tenho pra mim que esse ímpeto só se faz de olhos e braços abertos, bem abertos. Como se fosse pra deixar queimar e erguer de novo, perder pedaços da gente e encontrar, depois, um outro jeito de continuar arder a vida (e te conto: acho que eu gosto mais dessas horas).
Eu li sorrindo porque é esse o sentimento mesmo. As coisas vão tomando forma, mesmo que confusas, e mesmo assim conseguem (nos) alguma coisa (ou muitas) porque assim é a existência. Que bom que a chama acende, apaga e volta outra vez.
É bonito falar nisso como se fosse faísca e chama, porque é como se ainda repousasse ali uma memória do fogo. Como é pra tu esses momentos em que a chama chega a enfraquecer?
Tem muita relação com o que falamos sobre desacostumar. Até essa palavra ir ganhando força e sentido dói um pouquinho porque, no geral, eu fico caçando sentimentos com todos os sentidos. As mãos, os pés, os olhos. Mas não só ela, fico caçando tudo, inclusive imagens (como se tivesse virando tudo do avesso). Nessa insistência pela busca vem a angústia por pensar que não tem mais um significado para descobrir e nem caminhar na direção, mesmo sabendo que lá, no fundo, tem chama. Acredito que o vazio na parte criativa carrega um pouco desse breu (e ainda bem que em algum momento um espaço se abre para que as coisas desacostumem e gritem pela volta da chama).
Escrever com o que está ao nosso alcance é também uma das maneiras de sobrevivência que eu encontrei. parece que é um dos jeitos de não deixar se afogar, ou ainda, de se deixar ir. às vezes tenho pensando se escrever não é um tipo de desistência e de resistência contínuas, coexistindo. Porque acho que quando a gente escreve deixa de dizer algumas coisas, apaga, revisa, desiste de dizer algo de certo modo (até que se encontre outro jeito). Ao mesmo tempo em que outras insistem e continuam aparecendo, latejando. Como tu percebe ou sente o que tem desistido e resistido em teus escritos, em tuas criações?
Você me lembrou de um caderno que tenho deixado ao lado do computador de uns tempos para cá. Comprei argolas e perfurei folhas no intuito de reaproveitá-las. Ele é pequeno, tamanho 10x15. Deixo esse bloco sempre aberto e folheando as páginas agora notei o tanto de coisa que foi ficando pelo caminho, ma não foram usadas em outros momentos, a não ser pela necessidade de estarem ali. Ideias, frases que ouvi enquanto assisti algo, uma montanha de dizeres completamente sem sentido, mas que na época escrita foram perfeitos. Nele, tem muita interrogação e coisas como “acredite, vai dar certo” - certeza que escrevi em momentos de nervoso, hahah. A escrita vai escapando sempre, gosto disso. Enquanto imagens fixam, as letras fogem. Essa fuga é boa porque afirma que tem vida acontecendo. Acredito que a escrita não ser fixa é o motivo que me faz amá-la. Mas já acreditei que não poderia desistir de um texto ou que ele deveria ter um sentido único e sem curva para outros - quando não é assim que funciona.
Hoje eu tenho mais confiança para entender que cada pessoa pode me entender de um jeito e que tá aí a mágica de tudo, pois a vida pesa de jeitos diferentes. Quando falam da coragem para escrever, eu acredito que estão se referindo a esse detalhe: a escrita coloca tudo diante de nós. Desistir do processo e voltar a ele é bom. Essa escrita em pedaços, a visita ao que estava nos rascunhos e o sentimento de pertencimento - finalmente -, já que mesmo com a distância eu sei dizer para as palavras que eu quero voltar a elas (não importa se para a escrita pura e textual ou “escrevendo” imagens com as colagens). A gente escreve e vai sobrevivendo junto.
Quase sempre eu gosto de ter às mãos um caderninho pequeno pra anotar coisas também pequenas do cotidiano. tem tempos que carregar um caderno comigo é tão necessário, e eu gosto também da sensação de deixar registrado de alguma forma pedaços de coisas que vi, escutei, vivi. Essa escrita que escapa e que a gente faz sem necessariamente ter intenção de que vire um texto pra mim é um dos jeitos de respirar. Acho bonito quando tu diz que a gente escreve e vai sobrevivendo junto, porque me sinto dessa forma também. Além da escrita, quais outros jeitos que tu encontra de trazer de volta a sensação de: estou viva?
Acho que se relaciona muito com o que falamos sobre as músicas. Tem muito de vida nas canções, nas vozes que vou ouvindo e em como elas vão me transformando. Além disso, é quando consigo despertar pra compreender os ciclos das coisas, afinal tudo começa, termina e recomeça. Tem dias que pensar acelerado pode tirar da vida esse encantamento, mas que bom que as coisas se retomam. E aí vem esse sentimento de “estou viva” novamente. Essa troca com as canções, as pinturas, as leituras, os momentos e as pessoas, vão fazendo parte desses caminhos bons.
Sobre os lugares onde se escreve: há tempos eu tinha o costume de sentir que a escrita funcionava mais à mão, nos cadernos que eu guardava. Achava que tudo precisava ser escrito, ter o registro em caneta. ainda é meu jeito preferido. Mas ultimamente, tenho aumentado as longas listas de blocos de anotações e gigantes arquivos cuidadosamente desorganizados no drive. Guardo todos os meus cadernos, um a um, e é sempre nostálgico revisitar vários momentos da vida, pedaços de coisas que vi, que li, que escrevi. Acho que a escrita tem essa potência de despertar a visualidade porque parece que nos transporta pra coisas vividas e não vividas. Como é pra tu a sensação de revisitar escritos teus de outros tempos? E fotografias?
Hoje fui ao centro e fiquei pensando na tua pergunta. Olhar rapidinho ao redor e conseguir registrar alguns momentos é uma das coisas que mais gosto de fazer. Você lembra do seu primeiro caderno, Nath? Eu queria lembrar do meu. Tenho viva a memória de pequenos diários, cadernos escolares, folhas soltas e do meu costume de jogá-los fora logo quando eram preenchidos. Tô como você, inclusive. Mudei um pouquinho e hoje vou equilibrando esse registro cotidiano em cadernos e o Poético Diário, blog que cultivo desde a adolescência - e que estranho escrever assim, pois só agora percebi que quase uma década passou a partir da criação dele. Se eu pudesse recomendar, eu pediria a todo mundo que criasse um blog. Eles estão aí sendo administrados por autoras incríveis que eu amo acompanhar. Aprendi com elas a importância do registro para a memória e ao lado disso está a fotografia também. Mainha sempre me mostrou álbuns e guardou imagens da nossa vida separadas por mês e ano (até os meus doze anos).
Sobre esses últimos anos, senti muito que os isolamentos da pandemia me fizeram voltar ainda mais para o que ela guardou sobre a gente. A saudade, o tempo que já foi, o que está (e que logo vira passado também) - me influenciando diretamente em formações complementares, ou criando séries visuais, escritas, colagens e no audiovisual também. Participei de uma conversa muito incrível sobre afetos e memórias onde falaram que as nossas memórias são como colchas de retalho. Achei tão bonito pensar a nossa construção assim, parte por parte. E como diria Ana Holanda: “o que a gente vê fora é o que temos dentro”. Sou todinha saudosa a essa temática e defendo a preservação dos sentimentos escritos e fotografados, independente de como dê para realizar isso.

Fotografia de hoje, terça-feira, lá no Museu Palácio Floriano Peixoto
Lary, gosto demais de acompanhar tuas andanças na cidade. ver o mundo pelos teus olhos torna mais sensível e mais amarela a vida. obrigada por compartilhar a fotografia do museu. é tão lindo criar esse espaço pra gente falar de memória e saudade. Não lembro do meu primeiro caderno, mas eu ainda guardo todos os meus caderninhos, diários e folhas soltas também. de vez em quando os revisito e é muito nostálgica a sensação de ver como as formas de escrever mudam com o tempo, mas é uma necessidade latejante. Guardo com muito carinho nossa conversa que tivemos no teu blog, o poético diário. é de uma alegria imensa quando revisito essas trocas nossas e o afeto e cuidado que atravessa os nossos olhares uma com a outra. Te agradeço de coração! Apesar de não lembrar do meu primeiro caderno, lembro do dia em que eu me dei conta de que só escrevo, fotografo e faço outras invenções só por conta de saudade e de vontade de memória. Também sou uma pessoa apaixonada por saudades, todas elas. Pensando agora, acho que a escrita tem esse lugar de fazer presença pela palavra e, por meio dela, inventar um trabalho de memória. Como tem sido as tuas experimentações e invenções com tuas memórias? Tu costuma fazê-las mais pelas palavras ou pela escrita?
Obrigada por cada partilha, Nath. Tem sido incrível. Precisamos visitar o museu e a biblioteca, ver devagar os espaços e ir conversando sobre tudo isso juntas, <3. Fico muito contente de a nossa prosa ter se estendido aqui e no Poético Diário. Esses encontros confirmam que escrever é uma das coisas que mais amo fazer - principalmente porque ela me deixa perto da lembrança que tanto mencionamos. Nesse sentido todo tenho experimentado alguns vazios e tapado sentimentos por meio da colagem e da escrita (mais do que anos atrás). De julho para cá me encontrei com alguns formatos criativos inspirada por cores, leituras e tudo isso é parte das criações também (mesmo nos dias em que elas não aparecem). Tu falando, me dei conta de que nos momentos em que a memória chega eu a transformo em palavra, somente nela. Por querer tapar o vazio com as mãos firmes e gritar algo. Por querer tocar no tempo. Não só preservar algum passado desconhecido, mas respirar por conseguir criar e reescrever alguma parte da caminhada que esteve vazia. Tem momento em que as criações daqui não têm texto ou frase pequena. Só recorte, cola, flor seca e fotografia. Ponto. Dizer que existe presença trazida com a palavra é sobre carregar todos esses sentidos sempre com a gente. Gosto de ler essas lembranças com os dedos e o coração.
É incrível a forma como a palavra por vezes é esse grito ou um buraco onde a gente nem sabia que tinha. é como falamos em algum momento por aqui, sobre como nossas feridas coexistem, ardendo e se curando no mesmo lugar. Comigo acontece coisa parecida: tem vezes que a palavra não dá conta e eu preciso voltar para as imagens, em silêncio. E o contrário também acontece, de uma urgente necessidade em escrever. Andei revisitando alguns textos meus antigos e tive uma sensação engraçada de não pertencimento, ou como se aquele jeito não fosse mais meu. tivesse sido, mas não existe mais agora do mesmo jeito. Já aconteceu de tu reler ou rever alguma criação tua e não se reconhecer, ou algo parecido com uma sensação de estranhamento?
O tempo passa e vamos mudando junto, vamos nos ajeitando de alguma maneira. Com as letras é do mesmo jeito. Lembrei imediatamente de um fato recente. Organizei o computador semanas atrás e nos documentos salvos, um se chamava “poemas ruins 2011-2015”, hahah. Nele, as primeiras coisas que escrevi e publiquei na vida (a partir dos quinze anos). Não cheguei a abrir o documento, mas lembro de uma coisa ou outra dele. Com os anos fui me entendendo melhor e sabendo identificar o que me fazia estar “em casa” durante as escritas (aí entram as crônicas). Bom, mesmo rolando estranhamentos, fico feliz por ver a escrita em tantos momentos da minha vida, sabe? Ela me faz sentir o presente-passado, passado-presente de uma maneira muito especial.
Uma palavra que me vêm quando volto aos teus trabalhos é a afetividade. seja no ritmo da cidade, nas frases que já foram ditas, no cotidiano. Acho muito linda a forma como tu traz aconchego, ou ainda: em como a arte traz aconchego à tu. Penso que talvez a arte seja um dos jeitos que a gente tem de fazer morada. Me conta um pouquinho como (ou se) teus afetos vão se fazendo na tua arte, na tua vida, no teu corpo?
É encontro, respiro, alívio… morada. A sensação é essa, só essa. Parece que crio para ter esse tipo de sentido ou para desfazer tudo dentro de mim. Aqui na mesinha tenho alguns livros em que releio páginas ou partes específicas. Um deles é o de Isabel Allende chamado “Paula” que em uma das partes diz que ‘a vida é um puro ruído entre dois silêncios’, o nascer e o morrer. Eu já reli e comentei essa parte do livro diversas vezes para pensar nesse tal ruído. O que é ele? Que barulho ele faz? Não tenho outra escolha a não ser a de absorver esses afetos do caminho. Essas pequenas coisas, pequenos detalhes (que nem são tão pequenos). Tem dias que acho que estou sendo repetitiva nos blogs da vida, nas músicas que ouço, nas leituras, mas sei que não. As coisas estão sendo, acontecendo. Tudo está aqui. Nath, não sentir as coisas é o que seria estranho. Volto do começo para (me) perguntar os motivos de ir sentindo tanto a vida enquanto escrevo sobre as coisas daqui ou sobre as outras pessoas, mas não tenho uma explicação certa. Será que dá para definir o que são essas moradas?
Dizer que a vida é esse ruído entre dois silêncios me causa uma sensação de que, no fundo, a gente existe e vive procurando formas de voltar pra casa. que casa e voltar pra onde eu já não sei. talvez ao longo da vida a gente encontre e abandone muitos lugares onde a gente faz morada. E ainda te digo que nem sempre esses lugares são físicos, nem sempre a gente encontra morada em um lugar. Tem vezes que esses cantos onde a gente mora são povoados justamente por algo que a gente conversou um bocado por aqui: aconchego, memória, saudade e invenção. Acho que pela palavra a gente pode construir esse teto, fazer esse chão. Também não sei te dizer se o amor teria alguma coisa a ver com isso, mas dentre uma das coisas que mais me marcaram esse ano foi quando me vi, entre as idas e vindas, fazendo casa em lugares e em pessoas. Deixando que morar seja esse verbo em trânsito. me lembrei que na primeira entrevista que fiz, com a Ana Maria Vasconcelos, comecei me lembrando de um poema que fala algo parecido com isso. é algo que tem me aparecido muito. o poema é da Mar Becker, publicado no instagram dela, e diz: “que seja casa, o amor / ainda que amar desabrigue”. Me conta um pouquinho pra tu desses teus jeitos de morar na palavra?
deixando que morar seja esse verbo em trânsito. É isso. Quando penso em morar na palavra, a primeira coisa que me vem à cabeça é um tipo de refúgio inventado. Como se a palavra dividisse espaço com um infinito de tudo, de cada sentimento. Tu me fez lembrar de Neide Archanjo, dizendo: “Longe muito longe / nos confins do universo / e no andamento dos arquétipos / o poema / campo contínuo / reluz / sem forma nem som / apenas ideia”. A palavra vai caminhando e vou junto.
Dia desses vi um texto no instagram da Calí Boreaz, uma escritora que gosto muito, e lembrei de tu porque fala um tanto da escrita como morada nossa. vou deixar aqui o pedaço:
“[4x] longe daqui, longe daí, num lugar que nunca vimos antes. calma, respira teus cabelos, estás em casa. o tempo entrou em colapso ou talvez a eternidade tenha entrado no tempo. a luz apagou-se lá onde tudo começou, é tudo que sei. não sei o teu nome, só sei quem tu és. mas está tudo bem, repara: as nuvens passam, como uma respiração. olha pra mim, sim: há lonjura nos olhos. o silêncio das mãos que lembra o das estações extremas que nascem da suavidade está todo aqui. deve estar tudo bem. agora, empunhemos a noite como um telescópio apontado para uma intermitência e prestemos atenção às flores do caminho, enfim. há um canto de grilo e nenhuma memória para nele escrever,”
Ainda não conhecia a Calí! Já fui seguir para acompanhá-la também. Amei os escritos dela estarem acompanhados de uma fotografia cotidiana e como as duas coisas, imagem e palavra, são formas de leitura também - se completando. Uma das minhas (maiores) alegrias é ouvir um novo nome que escreve. Salvo alguns, principalmente no Blogger e Medium, e não os esqueço. Gosto de pensar na possibilidade que envolve cada pessoa a transitar num modo de escrever. Cada um no seu mundo, no seu tempo, no seu caminho. Isso é uma forma de autopercepção também - no fim, o encantamento maior seja esse: cada pessoa escrevendo sobre o seu espaço. Sobre quais espaços você tem escrito ultimamente, Nath? E na leitura, você tem lido quais mundos?
Ultimamente também tenho utilizado bastante o medium pra escrever, gosto bastante de lá e me perco por horas lendo os textos e batendo várias palminhas. Acho ali um mundo, e quase sempre encontro com algum que me traz impacto, fôlego, vida. Me encanta muito a forma como cada pessoa carrega pela escrita seus próprios jeitos, seus próprios mundos. Tenho lido bastante Ana Cristina César e Alejandra Pizarnik, amo escritoras que tem diários. E elas duas tem um jeito de escrever que me tira dos eixos. Há uma intimidade quase visível na escrita dela que, ao mesmo tempo que nos convida a entrar, deixa aberta a possibilidade de que há um limite da palavra e do dizer que não se alcança e ficamos nós tentando. Vou colocar aqui alguns dos textos de Ana C. que tenho salvos pra ficar relendo de vez em quando, e um deles me lembra muito essa nossa conversa. é do livro a teus pés:
“quando entre nós só havia / uma carta certa / a correspondência / completa / o trem os trilhos / a janela aberta / uma certa paisagem / sem pedras ou / sobressaltos / meu salto alto / em equilíbrio / o copo d'água / a espera do café”
E aqui um da Pizarnik que gosto muito, tá no livro o inferno musical e se chama cold in hand blues, e a tradução é da Nina Rizzi:
“e o que você vai dizer / vou dizer somente algo / e o que você vai fazer / vou me ocultar na linguagem / e por quê / tenho medo”
Gosto de pensar que há sim uma espécie de medo que antecede e acompanha a escrita, essa ânsia de criar, de compor. acredito que sem esse medo (por menor que seja, por fúria que exista) é o que alimenta a tentativa de tentar dizer. Tem vezes que ser uma tentante na linguagem me dá alívio e às vezes me inquieta. mas acho que é nessas horas que a gente inventa outros jeitos de dizer as mesmas coisas, de contar nossas saudades. E tu, Lary, por quais mundos tem andando tuas leituras?
As palavras estão sempre por perto - mesmo que algumas vezes não consigam sair. Não sei se eu já disse isso nessa conversa, mas gosto dessa possibilidade plural da criação. De escrever, mas também recorrer às colagens, câmera, edições. Tem dias que não consigo fazer nada, mas sei que quando eu conseguir voltar, essas possibilidades vão estar ali. Não tem jeito, elas vão estar ali. Nesse sentido criativo, me dei conta anos atrás de que os meus mundos (leituras recorrentes), são aqueles a conversar sobre a vida. Eles aparecem em bibliografias, crônicas, cartas… e por aí vai. Todas as Horas e Antes (volume I), da Neide Archanjo, é um desses mundos. Agora, mergulho em A Paixão Segundo G.H, de Clarice, e fiquei feliz por constatar que ele vai ser mais um a estar na mesinha do quarto para que eu sempre acesse. Um livro de poesias, o outro, romance. Além deles, me perco de carinho lendo nomes que deixo salvo no blogroll. Um desses nomes é o da Manie, jornalista e autora do blog Meus cafés. Salvei o texto de volta à superfície, reaprendendo a nadar, que parece se encaixar com as nossas conversas sobre esses fôlegos: “estou e estive viva. nada parou. as ondas continuam a me cobrir, mas eu, que sou ligeira, mergulho de um jeito que me permite voltar para pegar fôlego. ao mesmo tempo, não sou ingênua e sei que em outro tempo pode ser que eu me afaste novamente da superfície. só que, diferente de antes, tentarei lembrar que eu não vou estar lá em cima, longe de mim: estarei comigo, mesmo no fundo, reaprendendo a nadar mais uma vez”.
Lembrei de tu com o trabalho de uma artista que acabei de conhecer: Katrien de Blauwer. Ela fala que é fotógrafa sem câmera e realiza muitas colagens, muitos pedaços. É lindo o trabalho dela e me lembrei imediatamente de você.
Que honra! A Katrien é maravilhosa e de longe consigo sentir quando um trabalho foi realizado por ela. Inclusive, gosto da denominação dela ser “fotógrafa sem câmera”, pois é de fato o que colagistas são. Reunir partes soltas para formar um todo é um trabalho especial. Trabalhos como os da Margarita Brum, Sheila Kruger e Kari me inspiram muito do lado de cá.

Poema maternal (2020), uma das primeiras colagens digitais daqui
Te revisitar, ver teu trabalho e a forma como tu compõe tuas poéticas é mesmo muito especial. E voltar aqui até o fim é muito bonito porque quando me mandou essa imagem, chamada poema maternal, vejo que a gente volta ao (nosso) início de uma forma muito bonita e sutil. Talvez escrever seja essa tentativa de um retorno, ainda que ausente. não deixei de notar que tu escreveu ali no cantinho: “ressignifico minha crença no céu e na vida quando teu olhar atento me encontrou”. Sabe o que me lembra? Daquilo que até hoje ainda mora em mim, que tu me fez pensar em como escrita talvez seja ter quem nos segure a mão. Essa poética do encontro como acontece aqui e agora vai ser motivo de muito retorno por aqui e de vida, muita vida. Te agradeço pelo tanto da tua vida, das tuas criações e do teu mundo que tu compartilhou por aqui comigo ao longo dos dias, e te digo com o coração bem aberto do quanto já estou, de agora, com saudade.
Conversar contigo, mudou muita coisa por aqui. Foi uma das experiências mais lindas relacionadas a escrita que eu tive. Falar de arte, escrita e vida da maneira como conversamos transformou muita coisa em meu coração para o bem. Eu estava precisando desse respiro. Já estou com saudades da rotina que fui criando sabendo que encontraria esse espaço incrível criado por você e pela Revista Alagoana. Vida longa às palavras! Obrigada por esse momento, por você ter abraçado a minha e a nossa história com as imagens, colagens e as letras. Estou muito feliz, de coração.
Antes da gente ir, me diz onde podemos encontrar mais do teu trabalho? (se tu tiver locais onde escreve/publica textos, se tiver livros à venda onde é possível adquirir, formas de te encontrar por aí, como instagram, site, etc)
Claro! Tenho um site (http://laryssaandrade.46graus.com/) onde partilho trabalhos que vou desenvolvendo. Publico também no blog Poético Diário (http://poeticodiario.blogspot.com/ ) e nos perfis lá no Instagram (@lrsandrade / @lrsatelie). No Medium, ficam as palavras - tanto no perfil pessoal, quanto no perfil do Punho.