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  • Foto do escritorRevista Alagoana

Mãe Mirian: da ancestralidade o candomblé, do terreiro o samba de roda em AL


Texto por Bertrand Morais



Zeladora de santo e de cultura afro-indígena em Alagoas, Mirian Araújo Souza Melo traz no samba de roda em terreiro de candomblé sua religiosidade carregada de ancestralidade. Patrimônio Vivo do estado aos 87 anos de vida e 75 anos de axé, a sacerdotisa resiste e inspira futuras gerações afro-alagoanas.



Mãe Mirian segura bandeira que representa o Posú Betá, sendo seu por hereditariedade após a morte do Zelador Manoel Falefá, o qual a iniciou no Candomblé. Foto: Bertrand Morais

Hoje, no Dia em que acontece a Festa de Cosme e Damião, a capa da Revista Alagoana é Mãe Mirian.


“No momento eu me sinto bastante bem, aqui no Ilê [terreiro] Nifé Omi Omo Posú Betá, Casa das Yabás, Nação Jejê. Meu nome religioso é Iabinan e durante essa pandemia, os processos da casa vêm sendo fazendo orações, oferendas e rogando aos orixás por um momento de saúde e paz”, comenta Mãe Mirian com uma firmeza e brandura costuradas pela sabedoria, numa tarde ensolarada e fresca devido às rajadas de vento que sopram fora do barracão.



Sacerdotisa Mirian optou por não usar máscara devido estar imunizada com as duas doses da vacina contra a covid e já em rumo a de reforço. Mesmo assim, mantivemos o distanciamento seguro. Foto: Sônia Diégues

Do lado de dentro, um enorme salão com piso que remete a um tabuleiro de xadrez, algumas cadeiras, mesa e bancos circulando o espaço. À frente de quem entra nele, uma parede coberta de cima a baixo por tecidos estampados, um quadro do orixá Nanã pendurado, mastros das bandeiras do Brasil, Alagoas e da sua comunidade africana, além de um altar com as imagens de Cosme, Damião e erês ornamentado com muitos doces, ao mesmo tempo que dois cestos descansam ao pé deste com mais guloseimas. Sinal que a festa, mesmo que tímida por conta da pandemia, está próxima.


Voltemos à década de 40. As perseguições por espíritos obsessores que sofriam Dona Mirian enquanto criança só intensificavam. Eram tão frequentes ao ponto de ser vista como uma garota agressiva, rebelde e vítima de “imaginação” aos olhos de sua própria mãe. Achava-se que a solução eram surras cada vez mais fortes à época. Total engano. Mas toda essa confusão, já mexia com a cabeça da pequenina e, o temor apenas aumentara, ao ponto de já morando no bairro do Poço, em Maceió, vinda com a família da cidade sertaneja de Piranhas, abrira a janela de casa e fugira em direção à Praia da Avenida. Tudo isso aos 12 anos de idade.


Entrou no mar sem saber nadar, mas logo foi resgatada por pescadores da região, enquanto sua mãe e vizinhos vinham em seguida aos prantos. Finalmente, de volta para casa após o episódio, sua mãe resolvera seguir conselhos de pessoas próximas e ir procurar um centro afro-espírita. O que sua filha sofria era mediunidade, não de enfermidade ou imaginação alguma.


“A minha religião [atual] é de mitos, ritos, politeísta, espiritualista, naturalista, ecológica, democrática e não homofóbica” clarifica Mãe Mirian sobre o candomblé e acrescenta “entrei pela dor ao invés do amor, porque abraçamos a todas e todos e eu estou aqui para ensinar, doutrinar e mostrar o caminho do bem”.


Hoje, aos 87 anos, destes, 75 vividos para o candomblé, ela nos conta sobre seu passado alinhado aos desafios do presente - tais como o respeito das normas contra o coronavírus e o preconceito ainda persistente perante as religiões de matrizes africanas - com a humildade e sabedoria de uma matriarca que já sofreu muito, mas acima de tudo, vem resistindo.


Falando em perseguições e resistência, ela relembra que não é da época do vergonhoso Quebra de Xangô de 1912, mas sofreu reflexos deste que perdurou por muitos anos posteriores em um estado e País estruturalmente racistas. “Ainda nos anos 40 e 50, continuávamos a bater em caixotes de sabão [ao invés de atabaques] para abafar o som, e mesmo assim, quando éramos denunciados por vizinhos, a polícia ao chegar, nos levava para a delegacia e lá tudo nosso eram incendiados, quando não apanhávamos e, tudo do terreiro era quebrado antes” revive com pesar.



Ambiente interno do IHGAL com exposição de artefatos que remetem ao período do Quebra de Xangô de 1912, em 2019. Foto: Bertrand Morais

Inclusive, fazemos um adendo para àqueles que gostariam de se conectar e se aprofundar mais sobre o Quebra de Xangô. O Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, IHGAL*, é um excelente local para se ter acesso a documentos e peças que remetem ao período. Verificar data e dias de (re) abertura*.


Mas, a música e a dança sempre foram símbolos de resistência em países que tiveram períodos de censuras e repressões como o Brasil; no terreiro de Mãe Mirian não foi diferente. Para além das práticas religiosas, a comunidade de axé Posú Betá em Alagoas, se agarrou nas lembranças dos ensinamentos do baiano Manoel Falefá – responsável pela iniciação de Mãe Mirian no candomblé em 1970 na Bahia – para resgatar em 2007, o primeiro e único, que se tem história, do samba de roda em terreiro nas Alagoas chamado K’Posú Betá.



Integrantes do samba de roda em comunidade de terreiro K´Posú Betá, em apresentação pública. Foto: Arquivo pessoal do Ilê Posú Betá

“O nosso samba é o pisoteado ou “miudinho”, [para dançá-lo] não tira os pés do chão, mamulejo das cadeiras (leia-se balanço dos quadris), gingar dos ombros e alguns saltos que se dão” explica Mãe Mirian e completa “com os conhecimentos ancestrais que recebi, o comecei depois dos toques da casa; [também] recebi estímulos de pessoas de fora e quando vi, já estava o apresentando em eventos como o Vamos Subir a Serra”.


Vale destacar que, o samba de roda de origens do recôncavo baiano ao qual Mãe Mirian se refere e se inclui, já é Patrimônio Cultural Brasileiro pelo IPHAN e proclamado Obra-Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade pela Unesco desde 2005. A expressão cultural dialoga com a identidade e pertencimento dos membros e comunidade com as suas raízes.


Com o distanciamento social aplicado hoje em dia em função do vírus, os ensaios permanecem paralisados e deverá voltar às atividades com alguns novos estímulos, tais como de editais onde o estão inscrito e o controle da pandemia com a vacinação. Sônia Diégues, filha da casa e coordenadora do samba, acredita que se tudo der certo, em outubro haverá o retorno dos ensaios seguido de apresentações ao público em novembro.


No último mês, em agosto, Mãe Mirian ao lado de mais dois nomes – a artesã Dona Moça e o Mestre de Cambinda Nô – receberam o título de Patrimônio Vivos do Estado por suas contribuições com a cultural local. Quando perguntada sobre como a notícia a impactou em ser uma das contempladas, ela responde que primeiramente, entende que quem o recebeu antes dela foram muito merecedores e que a vez dela apenas havia chegado.



Certificado de Patrimônio Vivo de Alagoas concedido em agosto deste ano à Mãe Mirian, exposto em prateleira do terreiro. Foto: Bertrand Morais

“Recebi com muita alegria nessa idade que eu tenho, onde apenas o físico envelheceu” destaca Mãe Mirian e completa com satisfação “meus agradecimentos a Deus, meus ancestrais e a todas e todos que contribuíram [com o título], prometo levar essa cultura adiante e educar as pessoas culturalmente”.



Algumas das inúmeras homenagens direcionadas aos 75 anos de candomblé e cultura afro-indígena de Mãe Mirian, preenchendo toda uma parede. Foto: Bertrand Morais

O Título de Patrimônio Vivo de Alagoas para a Sacerdotisa Mirian, só veio reforçar a importância que a figura dela representa não apenas à comunidade local, mas toda população afro-indígena brasileira que resiste e luta todos os dias por respeito e reparação histórica em políticas públicas. Não é a toa que ela já coleciona várias outras homenagens em uma parede do terreiro, simbolizando a força feminina, negra e candomblecista na Terra de Zumbi, Tia Marcelina, Aquatune, entre outros tantos nomes. Axé!


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