Revista Alagoana
Quem se incomodou com o luau na orla
Atualizado: 16 de out. de 2020
Coluna de Madson Costa
Na noite de sábado, (3) de maio, Maceió foi palco de mais um show antagônico; a burguesia da Ponta Verde contra jovens, em sua maioria periféricos, que curtiam um luau, na orla. Dezenas de policiais foram acionados para dispersar a multidão, sob o pretexto de que “a baderna rolava solta nas longas faixas de areia à beira mar e na pista”. O fato é que esse evento revela algo que jaz implícito nas entranhas de Maceió; os espaços urbanos dessa cidade não são democráticos. E mais, essa ocupação popular também traz à tona que; é necessário começarmos a refletir sobre como democratiza-los e amplia-los para os demais bairros.
Essa frase reflete o óbvio, algo que os olhares mais aguçados, como os de Lucas Litrento, já perceberam — esse episódio, do mesmo modo, também tem caráter político e visa inibir o lazer dos periféricos —. Outra indagação também se faz necessária: quem se incomodou com esse luau? Justamente aqueles que não conseguem entender a necessidade da democratização dos espaços urbanos, os barões da Ponta Verde, a aristocracia regional, aqueles que querem monopolizar a orla para eles próprios, que se irritam ao ver jovens de distintas classes ocupando áreas que deveriam ser de uso pessoal deles.
E, nesse contexto, a intervenção policial, violenta como de praxe, demonstra o incomodo em ver corpos periféricos em espaços de lazer exclusivos para a classe alta maceioense. Isso torna-se óbvio quando dezenas de policiais são acionados apenas para dispersar jovens, que curtiam na praia. É mais uma ação cotidiana da polícia, cujo foco foi: repreender e agredir corpos marginalizados, enquanto assegurava os privilégios de uma classe especifica, que nos limita à segregação socioespacial. É também um ato que reflete a lógica do mercado imobiliário e o funcionamento do Estado, que não podem permitir que os espaços públicos se tornem mais igualitários.
O resultado visto foi uma juventude, frustrada e reprimida, passando mal, após ser acometida por gás de pimenta e efeito moral, utilizados pela polícia, e sem meios de voltar para casa, já que não havia mais ônibus nesse horário, em detrimento dos caprichos de um grupo de privilegiados. Não é justificável iniciar uma intervenção atirando bombas de pimenta e efeito moral em um evento que estava pacifico até o momento. Veja que o mesmo sempre se repete em outros eventos de origem periférica, no Benedito Bentes, no Village II, nos paredões, entre tantos outros.
O que aconteceu na orla não tem nada a ver com o coronavírus, não foi sobre evitar aglomerações. Bares, restaurantes e shoppings estão todos abertos. Há concentrações de pessoas muito maiores em comícios de políticos, mas sem qualquer intervenção policial, como a que houve na orla. A polícia interviu no luau porque quem é do gueto não deveria estar lá, e isso torna-se óbvio no momento que um agente da lei, pouco tempo após o ocorrido, faz o seguinte discurso “vamos fazer também uma triagem para ver de onde esses adolescentes estão vindo, se são daqui, da própria comunidade, se vem de outros bairros, Benedito Bentes, do Jacintinho, do Vergel, do Prado”, ao vivo na tv.
O objetivo deles era evidente; intervir quando a molecada da periferia estivesse incomodando a burguesia branca dos bairros nobres. Mesmo antes da pandemia, as intervenções policiais em eventos de origem periférica sempre foram violentas, e isso é um fato conhecido para qualquer um que já tenha frequentado esses eventos.
A aglomeração em excesso em alguns picos da cidade, como Ponta Verde, Pajuçara e Jatiúca, que acabam sempre concentrando a maioria dos eventos e atrações culturais, é o resultado da inexistência de projetos que visem levar espaços de lazer para os bairros mais distantes e ditos periféricos, onde esses jovens possam desfrutar de seu tempo livre sem que precisem se locomover para lugares mais distantes. É praticamente inexistente, em Maceió, pessoas que pensem formas de democratizar e aumentar o acesso ao lazer, à acessibilidade e mobilidade urbana. É necessário democratizar os espaços da cidade, criar áreas de lazer nos subúrbios para que se possa aproveitar o período de ócio, pois o direito ao lazer é uma garantia constitucional, de acordo com o artigo 6º, caput, artigo 7º, IV, artigo 217, § 3º, e artigo 227. Pouquíssimas, para não dizer nenhuma, são as iniciativas públicas que tentam pôr em prática esse direito subjetivo de 2° geração.
Quase não há estrutura nos demais bairros, especialmente os da Parte Alta da cidade, para receber eventos culturais de grande porte. Questione a si mesmo: eles fariam o mesmo numa rave? Maceió é uma cidade onde os espaços de lazer podem ser acessados por todos? É uma questão de classe e cor, é uma questão política.
