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  • Foto do escritorRevista Alagoana

TUDO SE RESUME AS RAÍZES

Atualizado: 10 de out. de 2020



Texto de Lícia Souto


“O jovem se insere naquilo que ele sente que está vivo, que funciona”, pontua o antropólogo carioca, Pedro Simonard. Radicado desde 2013 em Alagoas, Simonard já realizou diversas pesquisas para analisar comunidades e suas reproduções sociais, econômicas e culturais. Seu pensamento sobre o assunto é claro: as coisas precisam ser passadas adiante. Se você não tem jovens inseridos no meio cultural, logo não haverá transmissão; esse resgate cultural é uma das alternativas para que essas manifestações populares sejam fortalecidas.


“A cultura precisa estar enraizada nas pessoas, é assim que se transmite as coisas. Não adianta fazer um trabalho com o jovem se ele só dança, e dali vai para casa. Aquilo que o jovem dança, não porque foi convidado para uma dança, mas porque ele faz normalmente (como parte de sua vida), torna-se vivo e pulsante. Se não for assim, enraizado, a tendência é desaparecer. Você faz o que você tem contato. Não adianta trazer cultura para dentro dos centros universitários e escolares se não houver enraizamento. É um trabalho importante, mas apenas isso não é suficiente”, explica.


O antropólogo tece um raciocínio a partir de episódios que vemos, mas não observamos realmente, a exemplo dos grupos de Bumba-Meu-Boi ou Maracatu, que ao passar pela orla ou algumas ruas adjacentes, pode-se, frequentemente, flagrá-los ensaiando. Daí pode-se compreender esse processo de enraizamento, porque não é apenas um trabalho, as pessoas gostam e se divertem brincando nesses folguedos. Mas nem todo mundo acredita que o futuro e a permanência das tradições residam nas gerações mais jovens.


Para Maria Helena da Silva, conhecida como Marlene, coordenadora do Guerreiro Juvenal há 16 anos, não existe interesse por parte dos jovens em participar ativamente da cultura. O Guerreiro liderado por ela é composto por 25 pessoas e quase que inteiramente por senhoras, algumas já com 90 anos de idade. Tem apenas um neto de seis anos que brinca junto com duas crianças. Ela conta que tem vontade de colocar mais jovens, sobretudo crianças para brincar na dança, mas quando eles passam dos 12 anos, não querem mais saber.


Marlene começou brincando aos 9 anos, em São Luiz do Quitunde, a 56km de Maceió. Alguns anos depois ela se casou, e os afazeres de casa e a vida conjugal foram tomando mais espaço em seu cotidiano. Assim, passou décadas sem brincar o guerreiro, e só voltou quando já estava com mais de 40 anos de idade, após conhecer o Mestre Juvenal Domingos, fundador do Guerreiro Juvenal, no qual ela dança e o coordena até hoje.

Ela já levou o Guerreiro à João Pessoa e ao Piauí e, sempre que pode, se apresenta em Maceió. Marlene relata que tudo que produz pelo Guerreiro é custeado por ela, desde o figurino até as viagens que realizou, e só se apresenta se o folguedo estiver ‘bonito e arrumado’. Ela compra metros de tecidos e adereços e confecciona sozinha todas as roupas dos integrantes do grupo, porém se queixa da falta de auxílio financeiro por parte da Secretaria de Cultura, mas confirma que as apresentações são remuneradas, embora não considere que seja o suficiente.


Apesar disso, a coordenadora do folguedo soube do edital lançado em Agosto através da Fundação Municipal de Ação Cultural (FMAC), que contemplará 20 folguedos para renovação de figurinos, e realizou a inscrição do Guerreiro Juvenal.

Marlene relata que Juvenal Domingos ficou conhecido como uma pessoa espirituosa, que dedicou grande parte da vida às manifestações culturais. Há aproximadamente quatro anos, o ex-líder do Guerreiro enfrenta a diabetes e a hipertensão. Hoje, mora em Chã de Jaqueira, em Maceió, mas encontra-se acamado após ter amputado, recentemente, uma perna em virtude de complicações da diabetes. Para Marlene restam as memorias, em DVD, nas fotos, nas roupas e nas coroas. A ela ficou encarregada a missão de levar adiante o legado do Guerreiro Juvenal Domingos.

As mulheres parecem se destacar à frente dos Guerreiros, especialmente para dar continuidade ao legado desses folguedos.



Maria de Fátima Brasileiro também coordena um importante folguedo da história de Alagoas, fundado pelo professor e Mestre Pedro Teixeira, autor de livros como “Andanças pelo Folclore”, ficou conhecido como um forte incentivador das manifestações folclóricas-culturais no estado.


Da sala de aula para a rua, é lembrado, principalmente, porque durante as décadas de 60 e 70 organizou apresentações de pastoris na Praça do Pirulito e Praça da Faculdade durante os festejos natalinos, que são comemorados até hoje. A líder do folguedo hoje está passando por dificuldades. Através de uma ligação ela contou que as fantasias e os artefatos usados nas apresentações encheram-se de cupins, e ela perdeu grande parte das peças. Fátima preferiu que a sede do guerreiro, que fica no bairro de Cruz das Almas, não fosse visitada, porque ela, como Marlene, alegra-se em exibir o guerreiro, mas sempre em boas condições. Afinal, acha que deve sempre ser visto como ele realmente é, bonito, vivo, organizado e carregado de histórias.


Mas ela está esperançosa em restaurar as peças em breve, uma vez que também se inscreveu para o Edital dos folguedos. Da geração mais antiga à mais nova, do mestre de guerreiro ao sambista, uma coisa é fato: todos prezam, genuinamente, por trazer uma apresentação belíssima, que pensa no detalhe da coroa até a última fivela do chinelo.

A cultura não é imutável, e nem precisa ser. É dinâmica e não cristalizada no tempo, ela reproduz aquilo que tem vida. “Os grupos podem e devem se reinventar. Adicionar novos elementos ou substituir materiais na confecção das peças, por exemplo, não faz daquele folguedo menos original ou menos verdadeiro. Reinventar-se é preciso. Isso não é um problema, e sim um indício de que as coisas funcionam.”, acrescenta Pedro Simonard.


Leia a terceira e última parte desta reportagem especial.

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